DIÓNISOS





DIÓNISOS






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ONDULAÇÃO


Um trovão uma estrela
A percepção fascinada

O ofuscante rosto de Afrodite

Os meus olhos carregados
De vago desperdício

Uma alucinação desenhada
Na tua face de enlevamento

A visão, relâmpago de êxtase,
E o transporte súbito para a
Cerrada comunhão dos elementos





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Beijei-te melancolicamente,
Viajando no húmido éden de teus lábios,
No suaves diamantes de teus peitos

Macbeth ri,
E sua espada não hesita

Ondulação lunar de teu corpo,
Húmida incandescente melodia
De tuas rebeldes mãos que desejam,
Cintilantes lábios dançando,
Veementes vulcões incontidos





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GESTOS ANÓNIMOS


I


Micro milenar movimento da pedra,
Inenarrável aventura da rocha anónima,
Impossível lentidão de quem vive recordando
Formas e gestos já vividos - e já recordados

Há gestos fogosos, poderosos, perigosos
De deuses sujeitos ao desejo e à fúria
Há violentas carícias de incêndio
Percorrendo a extravagante euforia
Do cristal





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Mas a pedra rola, gira indiferente,
Trespassando a impaciência
De nossa incrédula percepção

E a terra respira a nossa angústia,
Tremendo e expelindo espadas
De que nos servimos como loucos
- E outra coisa seremos nós? -,
Concentrados na guerra que somos
E que unicamente se ganha perdendo-se

Eletricidade tremente de nossos olhos,
Luminosidade dispersa de nossos gestos,
Desalinhado torpor de nossas mãos
Que desfilam pelo incerto invisível





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II


Contemplamos o vento, que se enrola,
Anunciando assim que a despedida é efémera,
Mas que o silêncio do invisível retorno
Insiste em brutalmente nos exceder

Encher nosso éneo trofeu
(Exilado nas abstracções do espanto)
De rompante vivo triunfo

Encher nossos olhos de ouro
E partir ao ritmo da tempestade





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LÍNGUA DE PUNHAL


Exílio abstracto de meu polido incêndio,
Onde os pensamentos são brutais alucinações

A lua quase gesticula pânico, em terríveis e
Inglórias experiências de angústia muda

E a língua de punhal destelado da noite
Preparando-se para devorar com violência
Todos os pálidos olhos destituídos de força





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SUBTERRÂNEO


I


Um subterrâneo. Cerrado.
A estonteante simetria de uma súbita luz
Parece dotar-nos de irradiante eternidade.
Ninguém ousa aniquilar os fascinantes cenários;
Pura quietude ou falsa promessa dourada.





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II


Que fazemos nós aqui,
Enérgicos amantes das estrelas?
Tememos porventura o sol?
E que coragem seria temeridade,
Uma vez rodeados de vácuos eternos
Em todas as frentes de todos os gestos?





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EXCESSIVA BELEZA


Eu canto, bravio, a excessiva beleza luminosa,
Cegante, que tudo violentamente respira

O sol
A tensão nocturna
A guerra
A paixão febril
O parto
As marés invernais
A tempestade cósmica
A morte





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ONDINA I


A ansiosa beleza de Julieta,
A hesitante sedução de Elvira,
O animoso lume de ti própria

E tu e eu,
No esquecimento a que nos votamos
No intenso instante de nos termos





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DIÓNISOS I


Reconheço no brilho da noite a tua sabedoria,
Compreendo na violência do vento a tua expansão,
Diónisos

Tatuagem de fogo em orgia de paganismo
Trovão da carne da fibra e da mente
Impulso de sol abrasivo

Respirar, assimilar
       o caos e o cosmos,
       o fogo e o gelo,
       o tudo e o nada.





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ONDINA II


Amo Ondina, sua traiçoeira ondulação
Em mares de força,
Olhos cuspindo letal sedução





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DIÓNISOS II


Os ventos comunicam energia desordenada
Que uma cadência cósmica reúne em algo,
Respiração circular destituída de sangue

Suspensão da batalha
Luminosidade musical anexando imparidade





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ONDINA III


Reencontro teu fulgor bélico, tua pele absorvente,
Teu húmido amor confuso terno ávido
Lágrimas sémen nossa jovem carne eléctrica
Somos loucos, não podemos deixar de ser excessivos
Nas vigilantes sedas dos palácios da traição
Ver-nos-emos, pois, na próxima explosão do destino





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O CORO


No fim haverá sangue, terra escura,
Fogo, e um sonho quase interrompido





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ONDINA IV


Teus olhos como sicites de frio
Perante os múltiplos espelhos de mim;
Longe longe longe
Invisível

Cruzo meu auge como o teu auge
Em pálida noite
No extremo do possível

Respirar o teu oxigénio,
Bombear o teu sangue,
Estar em ti contentamento ilimitado





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DIÓNISOS III


Diónisos!

Desintegrado sob intensos
E poderosos sons musicais!

Explodir em brasa totalitária!

Que dor!
Que vazio!
Que delírio!





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ONDINA V


Fervo na contemplação de tua
Entrega à erva, à ave, à brisa

E creio que serás tu,
Enfeitada em chamas,
A minha última visão





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DIÓNISOS IV



Reconheço pelo poderio do brilho
Tua inigualável força - Diónisos!

Viajamos saboreando a guerra, a carne, a dança,
Por entre as estrelas de este e outros olimpos

Sabemos da consumação continuada dos dias,
E da identidade entre sentido e loucura

Dançamos na ruidosa fúria das marés,
No sufocante asfalto do vazio,
No terrível movimento do transtorno

Esmagados nos inúmeros vácuos
Que preenchem o imperturbável todo

Trágico! Belo! Digno de nossas
Profundas convulsões!





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II


Destinos clarões irreverências,
Jogos de sangue e acaso;
Possante imperador do instante
Entregando-se ao festim cósmico
Com entusiasmo febril

E que prazer neste excesso,
Que se sabe derradeiro
E inevitavelmente imortal!

Rimos da dor pânico angústia,
Corremos enérgicos pois sabemos mais;
E nada há a perder em toda esta
Coordenada abundância - Diónisos!





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III


Arrepiante trucidante
Despedida de nós mesmos.
Vertigem:
       enfim o voo,
       enfim o tudo.

Dissolvidos no
Uno intransponível





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O ÚLTIMO FIM


I


Imperturbável cintilação da chama
Neste invulgar cume de gelo

Ferocidade inevitável
Da noite derradeira

Incontida luz esbanjada

Ser serena - ou violentamente -
Assimilado ao Fogo, à Terra,
Ao Ar, à Água.





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II


E a última sílaba do meu sangue
Será o culminar de um poema
Cantando com voz de
Assombro e chama






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